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Tragédia de Mariana pode ter novo acordo inspirado no de Brumadinho

Uma mediação conduzida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) poderá resultar em um novo acordo para resolver gargalos do processo de reparação da tragédia de Mariana, que se arrasta desde 2015. Passados quase seis anos do rompimento da barragem da mineradora Samarco, mais de 80 mil demandas judiciais estão na fila aguardando apreciação. Nos últimos meses, reuniões para enfrentar a situação foram realizadas com a participação de representantes dos governos, dos tribunais de Justiça, dos ministérios públicos e das defensorias públicas de Minas Gerais e do Espírito Santo, bem como do Ministério Público Federal (MPF) e da Advocacia-Geral da União (AGU).

A experiência em torno da tragédia de Brumadinho (MG) deverá ser uma referência para as tratativas. Em fevereiro deste ano, foi firmado um acordo onde a Vale, responsável pela barragem que se rompeu e resultou em 270 mortes em 2019, se comprometeu a destinar R$ 37,68 bilhões. Esse montante custeará um conjunto de medidas voltadas para reparar e compensar os danos do rompimento da barragem.

"Não tenho dúvida que o acordo de Brumadinho é um marco na reparação e na compensação socioambiental e socioeconômica no Brasil e no mundo. É um dos maiores acordos em termos de valores", disse à Agência Brasil o procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, que participa das negociações representando o MPF.

As negociações foram iniciadas a partir de um pedido do juiz Mário de Paula Franco Júnior, da 12ª Vara Federal de Minas Gerais, o responsável pela maioria dos processos ligados à tragédia de Mariana. Diante do grande volume de ações judiciais, ele solicitou em março que o CNJ instaurasse a mediação entre todas as partes envolvidas. A partir daí, o Observatório Nacional sobre Questões Ambientais de Alta Complexidade, uma parceria entre o CNJ e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), ficou encarregado de fazer um amplo mapeamento da situação.

No final de julho, uma carta de premissas foi pactuada por todas as partes envolvidas. A assinatura do documento se deu em um encontro presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, também presidente do CNJ. Elaborada sob a coordenação do Observatório, a carta estabeleceu diretrizes para a renegociação das medidas de reparação.

Na tragédia de Mariana, 19 pessoas morreram e dezenas de cidades mineiras e capixabas situadas na Bacia do Rio Doce foram impactadas após o rompimento da barragem do Fundão, em novembro de 2015. O atual acordo de reparação foi firmado em março de 2016 entre a Samarco, suas controladoras Vale e BHP Billiton, o governo federal e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Conhecido como Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), ele estabeleceu 42 programas. Para administrá-los, foi criada a Fundação Renova.

Crítico do acordo, o MPF moveu em maio de 2016 uma ação contra as três mineradoras, na qual calculou em R$ 155 bilhões os prejuízos causados na tragédia. A tramitação desse processo chegou a ser suspensa para tentativas de negociação, que tiveram alguns resultados como a ampliação da participação dos atingidos em instâncias da Fundação Renova. No entanto, não houve consenso para uma composição final. Em outubro do ano passado, o MPF pediu a retomada da ação por considerar que a entidade tinha pouca autonomia diante das mineradoras e que o processo de reparação não teria sido capaz de indenizar todos os atingidos e de reconstruir as casas destruídas.

Uma nova paralisação desse processo, no entanto, é um dos itens definidos na carta de premissas pactuada no mês passado. Ficou estipulado no documento um prazo de 120 dias para as tratativas: são 13 semanas para discussão de diversos tópicos e mais quatro semanas para redação da minuta de um termo final.

"Mais importante do que cumprir esse prazo, é conseguirmos ter o acordo que solucione um problema que já dura quase seis anos. Vamos insistir na negociação até que tenhamos um termo que seja adequado para todas as partes e principalmente para os atingidos", disse Carlos Bruno. O procurador lembrou que acordos anteriores já previam uma reavaliação das medidas de reparação em junho de 2020, prazo que já foi ultrapassado.

O acordo resultado após a tragédia de Brumadinho (MG), que serve como referência, previu uma governança distinta daquela fixada no TTAC. Dessa vez, o MPMG e o MPF participaram das tratativas. Junto com o governo de Minas Gerais, ambas as instituições se colocaram contrárias à criação de uma entidade similar à Fundação Renova, por avaliar que ela não tinha a autonomia necessária.

Celebrado em fevereiro deste ano, o acordo de R$ 37,68 bilhões inclui algumas medidas que serão executadas diretamente pela mineradora, enquanto outras ficarão a cargo do governo estadual ou serão definidas pelos atingidos em conjunto com o MPMG, o MPF e a Defensoria Pública do estado. A parte que cabe ao Executivo mineiro envolve uma série de projetos compensatórios, que totalizam R$ 11,06 bilhões: grandes obras viárias e de mobilidade, equipagem de hospitais, melhoria de equipamentos e órgãos públicos, programas sociais, capacitação de servidores, políticas públicas de saúde e de preservação ambiental, entre outros. São iniciativas que serão implementadas não apenas na região atingida, mas em todo o estado.

A repactuação em torno da tragédia de Mariana poderá se inspirar nesse modelo. "Um dos temas que será tratado é governança. E aí se pensa no modelo como um todo. Como é uma negociação, eu não tenho como dizer o que vai acontecer. Mas a ideia é que a gente alcance uma governança que efetivamente traga a reparação e a compensação para os atingidos. Mais do que pensar se tem ou não tem Fundação Renova, é pensar em um modelo que efetivamente funcione, tenha transparência, legitimidade e efetividade para trazer resultados", explicou Carlos Bruno.

No caso da tragédia de Mariana, tanto as medidas reparatórias como as de caráter compensatório foram circunscritas à Bacia do Rio Doce e aos municípios afetados: são ações de recuperação florestal, projetos de conservação da biodiversidade, obras de saneamento, melhorias de infraestrutura, etc. A carta de premissas firmada no mês passado estabelece que a repactuação tem como objetivo um "acordo integral" e uma "reparação definitiva, efetiva e eficiente". Um dos tópicos prevê a "entrega de soluções definitivas, quitação de obrigações, visando a extinção de ações judiciais e substituição de acordos previamente firmados".

A princípio, o posicionamento oficial das mineradoras indica uma resistência à inclusão de novas medidas. A Samarco informou, em nota, que discute a repactuação das ações que estão sendo conduzidas pela Fundação Renova. Disse ainda estar comprometida com as comunidades atingidas e com "o aprimoramento dos acordos já celebrados de forma a trazer maior eficiência e definitividade à reparação integral dos danos causados pelo rompimento da barragem".

A Vale, por sua vez, divulgou uma nota no mês passado onde considera que as tratativas devem respeitar os limites do TTAC. A mineradora reconhece a "desburocratização da governança" como uma das premissas da negociação, mas pondera que "nos termos do §2º, da cláusula 232, do TTAC, o valor predestinado à compensação dos danos causados, com o rompimento da barragem de fundão, não reparáveis, já foi estipulado e não é objeto da repactuação, que visa a otimização e maior eficiência e objetividade no avanço dos 42 programas, que seguem em andamento".

A Vale avalia que a repactuação deverá estar mais voltada para "sanear controvérsias técnicas". Mas essa posição deverá se chocar com outras partes envolvidas, que consideram a revisão de valores como ponto chave nas discussões. Segundo dados da Fundação Renova, a reparação custou até o momento cerca de R$ 14 bilhões, sendo R$ 4,7 bilhões destinados a indenizações e auxílios financeiros emergenciais para 328 mil pessoas. 

"Todos os envolvidos reconhecem que, inegavelmente, os impactos no Rio Doce foram muito maiores em comparação com Brumadinho. Então para se pensar em reparação integral, provavelmente precisaremos pensar em valores maiores. Dentro da questão ambiental, há o princípio da reparação integral. Então não é o MPF ou as empresas que irão dizer os valores. São cálculos técnicos. No próprio processo, o MPF conta com experts que estão fazendo a avaliação dos danos socioambientais e dos danos socioeconômicos. O valor final terá que ser compatível com o que se verificou na prática", disse o procurador.

Entre as comunidades atingidas, uma das principais críticas ao acordo de Brumadinho diz respeito à falta de participação popular nas negociações. Para o MPF, esse é um ponto que precisa ser melhorado no processo de repactuação da reparação da tragédia de Mariana. "Conseguimos um ótimo acordo para Brumadinho, mas podemos pensar em mais participação social e controle social ao longo da negociação. E que se consiga um resultado significativo e que efetivamente, como irá ocorrer em Brumadinho, traga resultados para a comunidade atingida", avalia Carlos.

Pensando justamente em ouvir a população, o CNJ divulgou na terça-feira (10) um edital das audiências públicas, nas quais deverão ser levantados problemas vigentes junto às comunidades atingidas. Elas deverão ocorrer nos dias 10 de setembro, 6 de outubro e 1º de dezembro, todas por meio da plataforma virtual Cisco Webex, com transmissão pelo canal do CNJ na rede social YouTube.

"Já é um primeiro grande passo para que a gente ouça a população e para que tenhamos uma maior pactuação social dentro dessa negociação", disse o procurador. 

Enquanto o processo de mediação estiver em curso, a Fundação Renova assegurou que as medidas previstas no TTAC e conduzidas pela entidade não serão paralisadas. "As ações que compõem a reparação seguem em andamento", informou em nota.

Há outras questões que precisam ser equacionadas. O acordo da tragédia de Brumadinho envolveu apenas a reparação de danos coletivos. As discussões sobre indenizações individuais e trabalhistas estão se desenvolvendo no âmbito de processos judiciais e extrajudiciais específicos. Por sua vez, o acordo sobre a tragédia de Mariana estabelece o programa de indenizações. Essa diferença é, portanto, um dos tópicos que precisará ser solucionado entre as partes.

Desde a tragédia em 2015, o processo indenizatório tem gerado diversos questionamentos e protestos por parte dos atingidos. Segundo o CNJ, cerca de 85 mil processos relacionados ao episódio tramitam na Justiça brasileira. Em julho do ano passado, a Ramboll, uma das consultorias externas independentes que assessora a atuação do MPF, apontou que apenas 34% das famílias cadastradas haviam recebido algum valor indenizatório.

Alguns atingidos buscam reparação fora do país. Uma ação foi no Reino Unido, movida pelo escritório PGMBM Law em nome de milhares de atingidos e diversas prefeituras e empresas, além da Igreja Católica. Eles processam a BHP Billiton, controladora da Samarco que possui sede em Londres.

No Brasil, os pagamentos ganharam um impulso no final de 2020 a partir de uma série de decisões judiciais que levaram à implantação do Sistema Simplificado. Por meio desse sistema, trabalhadores informais de 28 localidades, que ainda não tinham sido reconhecidos como atingidos após cinco anos da tragédia, estão conseguindo obter valores referentes a danos morais e materiais. As quantias variam entre R$ 54 mil e R$ 161,3 mil. Donos de embarcações e outros grupos também estão sendo contemplados. O MPF, no entanto, considera que houve irregularidades nas decisões que subsidiaram a criação do sistema e avalia que alguns valores estabelecidos foram baixos. 

Na cidade de Mariana, cujo processo de reparação tem algumas peculiaridades em relação aos demais municípios impactados, ainda há 312 famílias aguardando a conclusão de seus cadastros para negociarem suas indenizações. Há também 126 núcleos familiares que não foram reconhecidos como atingidos e outros 42 rejeitaram a proposta da Fundação Renova.

Além disso, moradores que viviam nos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu cobram o reassentamento. As obras de reconstrução das duas comunidades destruídas na tragédia é um dos principais gargalos do processo reparatório. Pelo cronograma original, as casas deveriam ter sido entregues em 2018 e 2019, mas até março deste ano apenas sete das 306 moradias previstas estavam concluídas. Críticos da morosidade do processo reparatório, o MPMG chegou a pedir em fevereiro deste ano a extinção da Fundação Renova. O processo, no entanto, foi temporariamente suspenso por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Fonte: Agência Brasil

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